sexta-feira, 17 de maio de 2013

A LINGUÍSTICA E O ENSINO DO PORTUGUÊS: INSTRUMENTOS PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA


Há décadas, a linguística consta dos currículos dos cursos de
Letras em universidades brasileiras e, à medida que se desenvolve,
tem tornado possível a realização de muitas pesquisas voltadas para
o ensino de língua materna, na educação básica. Porém, os resultados
desse crescimento ainda são pouco notados na formação dos estudantes, haja vista as contínuas críticas, vindas de vários segmentos
da sociedade, as quais refletem um sentimento geral de que os alunos
não sabem ler, não sabem escrever e nem falar (!). Quem trabalha na
área de formação de professores consegue vivenciar de perto essa
angústia e, certamente, a experimenta de forma intensificada por
perceber que a universidade promove poucas mudanças na atuação
do professor de português, que continua reproduzindo aquele velho
ensino que não forma.
Mesmo considerando que o insistente fracasso da educação
brasileira não é função de eventos isolados, mas de uma confluência
de razões, especialmente razões de ordem social, ainda assim, o aprendizado insatisfatório daquilo que se configura como objeto do
ensino do português (leitura, produção de texto e análise linguística),
figurará como um problema que se impõe reiteradamente aos estudiosos do assunto.
O presente trabalho discute um projeto que visa a construção
de ferramentas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino do
português. O projeto foi delineado a partir de hipóteses que se formaram ao começarmos a perceber que há certa resistência à linguística,
por parte dos professores da educação básica, embora estes não se
furtem a reproduzir algumas partes do discurso dessa ciência que
lhes parecem “politicamente corretas”.


A primeira dessas hipóteses é a de que os professores que têm
ainda a linguística como uma “ilustre desconhecida”, rejeitam-na, de
forma categórica, em função de uma muito difundida crença de que
ela prega que tudo que se fala e se escreve está correto, independentemente de contextos de uso. Sendo assim, qualquer tentativa de levar o conhecimento dessa ciência a tais professores vai necessariamente ter de passar por uma profunda desconstrução ideológica.

A segunda hipótese considera que os professores que tiveram

oportunidade de estudar linguística, principalmente as correntes ditas
funcionalistas, que deram origem a um grande número de trabalhos
destinados ao ensino de língua, embora tenham uma ideia diferente
sobre a linguística, daquela que têm os professores mencionados anteriormente, não conseguem acionar o conhecimento adquirido por
que é difícil estabelecer uma ponte entre o que aprenderam e o que a
escola quer que ensinem.


Entendemos que um salto neste sentido só acontecerá a partir
do momento em que a oralidade fizer parte do programa da disciplina língua portuguesa, na educação básica, não porque esta deva ter
primazia, mas porque, isto representaria uma mudança na compreensão do que seja língua e, por conseguinte, abriria as portas para um
ensino que considere a gramática internalizada, como apontam Perini
(2002) e Possenti (1997). Além disso, ampliaria o entendimento do
que seja a menor unidade da língua, o texto, e que toda análise linguística deve ser contextualizada (KOCH, 1991; NEVES, 2003;
ANTUNES, 2002).
A terceira hipótese é a de que, a partir do conhecimento gerado pelo estudo de construções discursivas desses professores, será
possível quebrar resistências que impedem mudanças no ensino e fazer proposições em função de um trabalho com língua materna, fortemente norteado pela linguística, trabalho este que levará a um aprendizado mais significativo, na formação inicial.


Tendo em vista o problema aqui levantado, discutiremos procedimentos que, acreditamos, podem vir a indicar respostas a este.
Tais procedimentos envolvem a busca pelo conhecimento daquilo
que os professores sabem e pensam sobre a linguística e, posteriormente, a realização de um trabalho junto a eles, tendo como suporte
as diversas correntes da linguística, de forma a instrumentalizá-los
pedagogicamente, para um trabalho mais adequado com o objeto de
ensino do português.
Com a realização do trabalho que ora apresentamos, pretendemos alcançar dois grandes objetivos: i) contribuir com os estudos
voltados para a melhoria do ensino do português na educação básica;
ii) propor um caminho para se estabelecer uma efetiva parceria de
trabalho entre a universidade e escola básica, visando o aperfeiçoamento do aprendizado do português.
E, relativamente às atividades a serem desenvolvidas, temos
como objetivos específicos: i) interpretar as construções discursivas
de professores da educação básica, sobre as contribuições da linguística para o ensino do português, à luz da análise do discurso; ii) construir métodos de abordagens do objeto do português, juntamente com
professores da educação básica, tendo como suporte os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o ensino de língua materna, a Sociolinguística, linguística textual, análise do discurso, e as abordagens
cognitivista e sociocognitivista dos processos de leitura e produção
de texto.
Uma vez que o objetivo da pesquisa é, a princípio, conhecer o
discurso do professor, cabe apresentar neste esboço alguns dos conceitos e categorias da análise do discurso que nortearão a realização
do trabalho.


A análise do discurso surge, conforme explana Mussalim
(2001), na década de 1960, na França, fundamentada nas concepções
políticas do linguista Jean Dubois e do filósofo Michel Pêcheux. A
evolução dessa disciplina se faz na convergência de estudos de ordem política, encontrando respaldo científico na linguística estruturalista da época, a exemplo da abordagem do filósofo Althusser, em
 (1970):
A linguística, então, aparece como um horizonte para o projeto althusseriano da seguinte maneira: como a ideologia deve ser estudada em
sua materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado
em que a ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser
como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da
ideologia. (MUSSALIM, 2001, p. 104).
Na altura, as pesquisas eram feitas na perspectiva da linguística dita formal, em que a língua é analisada fora de seu contexto de
uso, considerando-se apenas aspectos internos, exclusivamente estruturais. Atribui-se, então, à estrutura da língua toda responsabilidade
pelo seu funcionamento. A língua é autônoma e funciona unicamente
em consonância com seus dispositivos estruturais. Essa concepção
de língua, amplamente aceita, até a segunda metade do século XX,
possibilitou ao Estruturalismo manter uma hegemonia nos estudos da
linguagem.
Saussure é o pioneiro nessa busca pela unificação da linguística. É, pois, nesse intuito que esse linguista estabelece que a língua é
um sistema autônomo, composto por elementos denominados signos.
A partir da proposta saussuriana, a abordagem que se faz é da língua
na sua imanência, o que propiciou a constituição de métodos pró-
prios de investigação, e a elevação da linguística ao de ciência.
A língua, então, passa a ser vista apenas como estrutura, tendo como
níveis de análise a fonética, fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Conforme Lucchesi (1998),
Para Saussure o universo da linguagem, por seu caráter heterogêneo
e plural seria incognoscível. Em contrapartida, a língua, dada a sua
natureza unitária e homogênea, constituiria, para o linguista, o seu objeto
de estudo por excelência. (LUCCHESI, 1998, p. 44),
Tais formas de se explicar o fenômeno são pouco elucidativas
no que se refere ao seu emprego enquanto prática social. Novamente
considerando as palavras de Lucchesi: "Para dissociar a língua do
seu existir concreto, é preciso separá-la também de sua história,
ignorando o processo ininterrupto de transformações que é inerente à
sua constituição". (LUCCHESI, 1998, p. 45).
Assim, Michel Pêcheux, imprime outros rumos à nova ciência
que surge:


É neste contexto que nasce o projeto da AD. Michel Pêcheux, apoiado numa formação filosófica, desenvolve um questionamento crítico sobre a linguística e, diferentemente de Dubois, não pensa a instituição da
AD como um progresso natural permitido pela linguística, ou seja, não
concebe que o estudo do discurso seja uma passagem natural da Lexicologia (estudo das palavras) para a análise do discurso. A instituição da
AD, para Pêcheux, exige uma ruptura epistemológica, que coloca o estudo do discurso num outro terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. (MUSSALIM, 2001, p. 105).
No Brasil, a análise do discurso é consolidada por Eni Orlandi, cuja obra é tomada como suporte para o embasamento da pesquisa que ora apresentamos.
A contribuição que almejamos oferecer ao meio acadêmico é
de ordem teórica, uma vez que buscaremos abordar o discurso do
professor no que se refere à linguística. Constituímos esse objeto por
entendermos que, quanto mais aprendermos sobre as “vozes” que
conduzem a prática docente, mais aptos estaremos a ajudar, se é este
o nosso desejo.
É bastante corrente a prática de “observar” o professor e depois partir para a crítica ferrenha ao seu trabalho. Até quando falamos com eles, parece que fazemos com o intuito de confirmar aquilo
o que já sabemos e assim ampliamos nosso poder de fogo contra a
sua prática “ultrapassada”. E surgem as teorias e os métodos de trabalho com a ilusão de salvar o ensino.
E por que isto não tem acontecido, compreendemos que os
caminhos devem ser reconfigurados. Ao invés de observar este professor e apenas falar sem jamais escutá-lo, talvez seja pertinente ouvir, de verdade, o que eles também têm a dizer sobre nós, os “pensadores” de sua prática e de suas atribuições, na tentativa de, ao interpretá-los, possamos nos reinterpretar.
Nas palavras de Orlandi, os dizeres funcionam como pistas
para a construção do conhecimento.
Os dizeres não são como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições
determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se
diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São
pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de
produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito ali, mas também em outros lugares, assim como com o que não é dito, e com o que poderia
ser dito e não foi. (ORLANDI, 2005, p. 30)

Os “dizeres” do professor provavelmente devem começar a
funcionar como ponto de partida para quaisquer outros discursos lhes
avaliem.
É na tentativa de explicitar o que está por trás da aparente resistência dos professores ao pensamento da linguística, no que concerne ao ensino de língua, que utilizaremos os métodos e as categorias propostas pela análise do discurso, registrando, para controle da
pesquisa, as construções discursivas por eles produzidas.
Os procedimentos analíticos da análise do discurso serão ferramenta de estudo para o trabalho, por se constituírem os recursos
mais apropriados para se trazer à tona os implícitos do discurso sobre
o qual repousa a manutenção de práticas pedagógicas que temos considerado ineficientes. Se o discurso “é efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2005), há que se identificar tais efeitos, compreender como eles são apreendidos e a partir daí (re)construir.
Sendo discurso o meio através do qual o homem se relaciona
com o seu meio natural e social, e por intermédio deste os eventos da
realidade sofrem deslocamentos ou ficam inalterados, então, o conhecimento profundo do discurso dos professores é condição necessária para conhecer seu pensamento e manter com este um diálogo
que nos permita compreender e atuar na sua realidade, de modo a
explicitar a ideologia que subjaz a defesa do ensino tradicional, trabalhando na perspectiva de sugerir visões outras sobre o instituído.
Neste sentido, nos ocuparemos de identificar os contextos imediato e amplo, explicitando de que modo o contexto sóciohistórico vem determinando as condições de produção discursiva.
Assumir essa posição significa percorrer os caminhos do interdiscurso que
...consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em
outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência
necessária. (ORLANDI, 2005, p. 34).
Na observância do “como” se dão as construções discursivas,
a concepção de sujeito do discurso tem relevância fundamental.
Este é um sujeito que deverá ser compreendido a partir da confluência de
leituras que o considerem como o sujeito do inconsciente e da ideologia.
Todo enunciado [...] é linguisticamente descritível como uma série
de pontos de deriva possível oferecendo lugar à interpretação. Ele é sempre suscetível de ser/tornar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o
lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na
produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos. (ORLANDI, p. 59).


Estes e outros dispositivos de análise serão acionados para
tentarmos encontrar as respostas para o problema que ora inscrevemos. E, conforme dissemos anteriormente, interpretar o discurso do
professor sobre a linguística é uma das etapas da pesquisa e esta é o
cerne do projeto. Entretanto, é nosso objetivo também poder estabelecer com esse professor um trabalho de parceria, através do qual
buscaremos auxiliá-lo no desenvolvimento de suas atividades com
língua materna, ao tempo em que aprenderemos com ele a construir
novos rumos para a formação de professores. Insere-se, então, a outra fase que denominamos etapa prática, a qual se guiará pelas propostas de ensino do português oferecidas por vertentes funcionalistas
da linguística.
O objeto do ensino de português na formação inicial é contemplado pelas atividades de leitura, escrita e análise linguística,
como bem se sabe. A escola não deixa de cobrir essas atividades,
mas as têm desenvolvido de forma assistemática e, por vezes, absolutamente contraproducente. Mas, não desejamos aqui manter o procedimento que critica ferozmente a forma como a escola conduz o
desenvolvimento dessas habilidades pelo estudante. Queremos, sobretudo, apresentar um breve panorama do referencial teórico que
embasa a fase prática da pesquisa.
A proposta é trabalhar com professores de língua portuguesa,
da educação básica, de escolas públicas, na cidade de Santo Antônio
de Jesus-BA. Pretendemos constituir um contendo o discurso
de professores sobre o objeto do ensino do português e sobre o seu
interesse pelas contribuições da linguística para o trabalho pedagógico. Nesse intuito, realizaremos, durante um semestre, encontros semanais para estudo e discussão dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de língua materna, além do estudo de obras na linha da Sociolinguística, linguística textual, análise do discurso, cognitivista e sociocognitivista sobre os processos de leitura, produção
de texto e análise linguística.
Além de abordagens teóricas, em que buscaremos demonstrar
a relevância desses postulados para o ensino, os encontros servirão
para realizar o planejamento das aulas, bem como para organização
de material didático. Ou seja, a função do trabalho com os professores é promover a ação/reflexão/ação, visando construir, junto com
eles, uma concepção de língua e de ensino de língua que leve a procedimentos pedagógicos mais significativos. Tais ações refletem a
hipótese levantada anteriormente de que os construtos teóricos por si
e nem mesmo as propostas de ordem mais prática que sejam terão
uma resposta, se não houver um trabalho de perto com os professores.
Esta etapa prática do trabalho será fundamentada pelos estudos da “linguística aplicada” (em sentido mais amplo do que costumamos encontrar, a despeito do ensino de línguas estrangeiras), baseados na Sociolinguística, como as obras de Sírio Possenti (1997);
Bagno (2001, 2002); Mattos e Silva (1997); Neves (2003), os quais
chamam atenção para a importância do estudo da diversidade do português do Brasil, demonstrando como funcionam as variantes de uma
regra variável e como o professor pode descrever os diversos registros, a fim de que o aluno compreenda a situacionalidade desse uso.
O ensino de língua a partir de textos orais é outro ponto fundamental a ser trabalhado na etapa prática. Para isto, servirão de suporte teórico, os trabalhos de Antunes (2002); Geraldi (1997, 2001);
Koch e Travaglia (1991); Marcuschi (2004); Kaufman e Rodríguez
(1995). Esses estudos abordam tanto o funcionamento dos textos,
bem como apresentam sugestões para trabalho com os mesmos, sua
leitura e produção.
A leitura e a produção de textos são competências amplamente estudadas na atualidade. O suporte teórico de tais competências
serão abordados na etapa prática da pesquisa através das obras de
Kaufman e Rodríguez (1995); Solé (1998); Geraldi (1997) Kleiman
(1998); Alves (2001); Geraldi (1997); Brito (1997), em que, além de poder compreender os processos cognitivos envolvidos no aprendizado da leitura e da produção textual, será possível aprender como
trabalhar a formação do gosto.

Fonte: Trabalhos Acadêmicos Uneb.








quinta-feira, 9 de maio de 2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Os gêneros do discurso em Bakhtin


Os gêneros do discurso são discutidos, no contexto
do pensamento bakhtiniano à luz de uma concepção de
enunciado entendido como condição de possibilidade de
utilização da língua. O percurso feito por Bakhtin para
elaborar a noção de gênero é resumidamente o seguinte:
a ação humana está diretamente ligada à utilização da
língua, como esta ação emana de determinadas esferas
da atividade humana, a utilização da língua conseqüentemente reflete as condições e finalidades de cada uma.
Esse reflexo é perceptível no conteúdo temático, no
estilo e na construção composicional do enunciado. A
fusão desses três elementos no enunciado, em uma
dada esfera, determina tipos relativamente estáveis de
enunciados, ou seja, os gêneros do discurso.
Isso leva Bakhtin a se perguntar a respeito da existência de uma base comum dos gêneros do discurso, uma
vez que é possível duvidar que exista algo em comum
entre eles, já que cada um é oriundo de esferas diferentes
da atividade humana. Em outras palavras, o que há de
comum entre uma carta e um romance de Dostoievski,
por exemplo? Ou ainda: o que há de comum entre manifestações de linguagem tão díspares entre si que permite que todas, e cada uma a seu modo, estejam abrigadas na noção de gênero?
Em resposta, Bakhtin opera uma distinção entre
gêneros primários (simples) e gêneros secundários (complexos). O gênero secundário é aquele cujos enunciados
aparecem em uma circunstância de comunicação cultural
complexa e mais evoluída (é o caso do romance); o
gênero primário é aquele cujos enunciados integram o
anterior, conservando sua forma, mas adquirindo um
conteúdo no conjunto (é o caso da carta dentro de um
romance). Em outros termos, “O romance em seu todo é
um enunciado, da mesma forma que a réplica do diálogo
cotidiano ou a carta pessoal (são fenômenos da mesma
natureza); o que diferencia o romance é ser um enunciado secundário (complexo)” (p. 281).
Essa noção de gênero implica considerar o enunciado como unidade da comunicação verbal, já que os
gêneros seriam constituídos por enunciados relativamente estáveis. Cabe, então, discutir a concepção de
língua que subjaz à noção de enunciado em Bakhtin.
Esse problema é explicitamente estudado na segunda parte de Os gêneros do discurso. Nela, Bakhtin
elabora uma severa crítica à lingüística do século XIX
em função da supremacia atribuída ao locutor, minimizando o papel do outro na produção do enunciado.
Como produto dessa crítica Bakhtin desenvolve uma
teoria sobre três pontos que, em nossa opinião, são os fundamentos da proposta elaborada: a atitude responsiva
ativa, a compreensão responsiva ativa e a oposição
oração/enunciado. Para tratar a questão do gênero em sua
relação com a prática de análise lingüística, pensamos
ser essencial detalharmos, um pouco mais, cada um
desses pontos.
A atitude responsiva ativa se refere ao fato de um
enunciado ser uma resposta a enunciados anteriores
dentro de uma dada esfera. Isso quer dizer que toda vez
que um locutor fala (ou escreve), ele não só o faz em
função do objeto (tema) do seu enunciado, mas também
em resposta a enunciados de outros. Esse aspecto é
fundamental na definição dos gêneros do discurso, pois
introduz a idéia de dialogismo. Conforme Bakhtin “a
mais leve alusão ao enunciado do outro confere à fala
um aspecto dialógico que nenhum tema constituído
puramente pelo objeto poderia conferir-lhe” (1992,
p. 320). No que diz respeito à comunicação verbal, o fato
de o enunciado ser responsivo a outros enunciados faz
com que ele se configure num elo que está ligado a
outros que o precedem.
Contudo, esse mesmo elo da comunicação verbal –
o enunciado – está também ligado aos enunciados que o
sucedem. Assim, todo enunciado é elaborado em função
do outro, ou melhor, da resposta do outro, já que o
ouvinte não é meramente passivo: é isto o que Bakhtin
chama de compreensão responsiva ativa. “O índice
substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de
dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatá-
rio” (op. cit., p. 320). Saber quem é o destinatário, que
imagem o locutor tem dele, que influência ele tem sobre
seu enunciado caracteriza a composição e o estilo do
enunciado, logo, do gênero do discurso.
Bakhtin resume, de forma brilhante, o que apontamos até aqui:
 “As diversas formas típicas de dirigir-se
a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário
são as particularidades constitutivas que determinam
a diversidade dos gêneros do discurso” (op. cit., p. 325).
Podemos, desta forma, relacionar atitude responsiva
ativa, compreensão responsiva ativa e enunciado/gênero.
Não mencionamos, até agora, a noção de língua. Esta
será explicitada a partir da apresentação do terceiro
ponto: a oposição oração/enunciado.
Tal oposição é apresentada da seguinte forma: a
oração é uma unidade da língua, não possui existência
real, entretanto, isso não impede que tenha um valor
semântico, a significação. O enunciado é uma unidade
da comunicação verbal cuja existência está ligada a
um determinado momento histórico. A constituição do
enunciado não exclui a oração. O enunciado é exatamente a realização enunciativa da oração. O valor semântico do enunciado, por sua vez, é o sentido.
A oração é neutra em relação ao conteúdo ideológico, sua estrutura é de natureza gramatical; o enunciado não é neutro, seu conteúdo veicula determinadas posições, devido às esferas em que se realiza. O
enunciado implica referência ao sujeito; a oração não. O
enunciado é identificável pelos seus traços enunciativos:
a alternância de sujeitos, o acabamento e a relação do
enunciado com o próprio locutor e com os outros parceiros da comunicação verbal.
Nesse sentido, o gênero não pode ser visto como
uma forma da língua, descontextualizada de seu uso
efetivo. Ao contrário disso, deve ser visto como uma
forma assumida pelo enunciado, em acordo com a esfera
em que é produzido. Como diz Machado (2001, p. 238)
o gênero se encontra com o enunciado, no pensamento
bakhtiniano, na medida em que se percebe que “o
enunciado é a unidade concreta do texto; uma unidade
resultante das combinações de gêneros discursivos –
formas específicas das variedades virtuais de uma
língua”. Os enunciados integram os gêneros e se definem
pela relação que mantêm com eles nos diferentes usos da
língua nas diferentes esferas da comunicação social.
A prática de análise lingüística, portanto, não pode
se restringir ao estudo da oração, mas deve contemplar a
linguagem no seu aspecto de enunciado, de unidade
constitutiva de um gênero discursivo.

Fonte: Revista Eletrônica, Kuhn, T. Z. & Flores, V. N.

A gramática e a teoria de Bakhtin


Conforme a teoria de Bakhtin, a utilização da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos)
(1992, p. 279). Isto quer dizer que todo e qualquer uso
de algum recurso lingüístico deve ser estudado no âmbito
da sua realização, em função da intenção do locutor, da
imagem que ele tem de seu ouvinte, da situação sociohistórica da qual faz parte. Elaborar um enunciado sob
essas condições diz sobre seu estilo e caracteriza um
gênero discursivo.
Bakhtin aponta, então, que, diferentemente do que
prescreve a Gramática Tradicional, a estilística se refere
aos gêneros. Se a primeira vê um fato lingüístico concreto como fato gramatical, pois o faz desde o ponto de
vista da língua, a estilística o encara como um fato
estilístico, pois é visto desde o enunciado individual.
Assim, para o autor, aprender uma língua e estudar sua
gramática diz sobre tornar esses fatos gramaticais fatos
estilísticos.
Tradicionalmente, a Gramática propõe o estudo de
orações. Procura-se analisá-las através de suas subdivisões em palavras, morfemas, fonemas. Essa abordagem
dos fatos lingüísticos não considera que há um locutor
que proferiu a oração, em uma determinada situação, em
resposta a uma outra fala e antecipando a reação de seu
ouvinte; ou seja, não consideram que esta oração é um
enunciado. Bakhtin propõe que se estude os aspectos
gramaticais tendo em vista esta série de fatores que contribuem para a elaboração de um enunciado, porque:



A língua materna – a composição do seu léxico e sua
estrutura gramatical –, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante
enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos
durante a comunicação verbal viva que se efetua com
os indivíduos que nos rodeiam (op. cit., p. 301).


Para procedermos com a discussão acerca da análise
lingüística em sala de aula à luz da teoria de Bakhtin, é
preciso aprofundar a noção de gêneros do discurso.

Fonte: Revista Eletrônica: Kuhn, T. Z. & Flores, V. N



A reflexão gramatical na prática pedagógica


O ensino de língua portuguesa vem passando, nos
últimos anos, por mudanças que buscam a melhoria de
sua qualidade. Esse esforço político-pedagógico pode ser
reconhecido na elaboração dos PCNs, que propõem “um
projeto educativo comprometido com a democratização
social e cultural (que) atribui à escola a função e a
responsabilidade de contribuir para garantir a todos os
alunos o acesso aos saberes lingüísticos necessários
para o exercício da cidadania (p. 19)”. Dessa forma,
entendemos que há a tentativa de um deslocamento entre
a tradicional aula de português, que, por não considerar
a reflexão sobre a linguagem, visa apenas ao ensino de
normas gramaticais, e a prática pedagógica inclusiva,
que busca, através das discussões acerca da linguagem
(suas funções, suas práticas), construir um aluno-sujeito
que consiga deslizar entre os registros de língua, que
entenda e respeite as variedades, que leia os pressupostos
e não-ditos, que faça coisas no mundo através da linguagem, enfim, que seja um verdadeiro cidadão.
Contudo, buscar a construção dessa prática pedagógica não significa a exclusão da reflexão gramatical
do programa de ensino a ser desenvolvido. Esse assunto,
inclusive, é trazido pelos PCNs:
O que deve ser ensinado não responde às imposições
de organização clássica de conteúdos na gramática
escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas
pelos alunos nas atividades de produção, leitura
e escuta de textos. O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de definição,
classificação e exercitação, mas corresponde a uma
prática que parte da reflexão produzida pelos alunos
mediante a utilização de uma terminologia simples e
se aproxima, progressivamente, pela mediação do
professor, do conhecimento gramatical produzido.
Isso implica, muitas vezes, chegar a resultados
diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não
corresponde aos usos atuais da linguagem, o que
coloca a necessidade de busca de apoio em outros
materiais e fontes (p. 29 – grifamos).
Refletir, em sala de aula, sobre o funcionamento da
linguagem é, a nosso ver, fundamental para o desenvolvimento da capacidade discursiva do aluno. Isso porque
“Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito
ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para
produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto
a diferentes situações de interlocução oral e escrita”
(PCNs, p. 23). Se a gramática tradicional, pela sua
própria constituição, não dá conta da descrição de usos
efetivos da língua, seguiremos a indicação dos PCNs e
buscaremos apoio em outros materiais e fontes.
Antes, porém, cabe discutir o lugar que os aspectos
gramaticais têm numa aula de língua materna concebida
a partir do que formula os PCNs.

Fonte: Revista Eletrônica , Tanara Zingano Kuhn
PPG-Letras da UFRGS
Valdir do Nascimento Flores
Doutor em Lingüística Aplicada, Professor do Instituto de Letras da UFRGS

terça-feira, 7 de maio de 2013

Entrevista com Luiz Carlos Travaglia

Em Março de 2004, a Revista Virtual de Estudos da Linguagem fez uma entrevista com Luiz Carlos Travaglia sobre a Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna:

Confiram a entrevista.


1)- ReVEL – Para o senhor, quais são as principais contribuições que a
Lingüística moderna trouxe para o professor de língua materna?

Travaglia - São tantas que fica impossível enumerar. Todavia podemos dizer
de maneira genérica que a grande contribuição da Linguística moderna para o
professor foi trazer um conhecimento mais estruturado, científico e profundo
sobre como a língua é constituída e sobre como ela funciona enquanto
instrumento de comunicação com uma dimensão social e histórica que é mesmo
constitutiva da língua. O professor que domina esse conhecimento tem
melhores condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e
como estruturar as atividades que os ajudem a atingir um maior domínio da
língua e a ter uma maior e melhor competência comunicativa. É preciso,
entretanto, ter a humildade de reconhecer que o muito que sabemos hoje em
relação ao que se sabia no início do século XX é ainda pouco.

2)- ReVEL – Ainda hoje, infelizmente, a Linguística não tem muito
espaço nos cursos de graduação em Letras no Brasil. O senhor acha
que deveria haver mais disciplinas de Lingüística Teórica e/ou
Aplicada nos currículos dos cursos de graduação em Letras? Como
uma formação em Linguística pode auxiliar o futuro professor de
Português?

Travaglia - Evidentemente quanto mais se estuda as formulações de uma
ciência, mais condições de trabalhar de modo competente com o seu objeto (no
nosso caso a língua) e por isto é desejável estudarmos o mais que pudermos. Já
disse como basicamente o conhecimento linguístico (uma formação em
Linguística) pode auxiliar o futuro professor tanto de língua materna (no nosso
caso o Português), quanto de língua estrangeira.
A questão dos currículos é complexa. Há limitações de tempo dos cursos e
limitações legais entre outras e é preciso fazer o possível para obter o máximo
nas condições disponíveis. Você diz do pouco espaço da Linguística nos cursos
de Graduação em Letras no Brasil. Em primeiro lugar é preciso lembrar que a
situação é diferente em cada curso em termos do número de disciplinas
específicas de Linguística e/ou Linguística Aplicada. Mas devemos lembrar que
nas aulas de Língua Portuguesa e estrangeira dos cursos de graduação em
Letras o professor pode trabalhar com uma visão linguística dos fatos relativos à
língua, seu funcionamento, seu ensino/aprendizagem. Isto aumentaria em
muito o contato dos alunos com os conhecimentos desenvolvidos pela ciência
linguística tradicional e moderna (pós-Saussure?). Em segundo lugar não se
pode esquecer que nosso estudo e formação são constantes: você pode fazer
cursos de aperfeiçoamento, de especialização, de mestrado, doutorado e pós doutorado  Mesmo que faça tudo isto, descobrirá que ainda sabe pouco do que a
Linguística já disponibiliza hoje. Sendo assim é preciso crer no estudo
individual, pois é possível lermos constantemente sobre Linguística. Pense bem
no seguinte: mesmo que fosse possível colocar 50 (cinqüenta) disciplinas de
Linguística em um curso de graduação, isto seria suficiente ou não? A resposta é
obviamente não. O curso de graduação precisa estabelecer uma base de
conhecimentos que permita ao estudante continuar seus estudos em outros 3
níveis e mesmo sozinho. Acho que é esta a função do curso de graduação: a
formação básica, sólida e, claro, o mais ampla possível, que nos permita ir em
frente. Ninguém pode esperar que qualquer curso lhe dê tudo. Não falei das
diferenças individuais de empenho e capacidade na captação do que está sendo
tratado nos cursos, pois esta é outra questão bastante complexa.

3)- ReVEL – Em torno dos PCNs, foram provocadas muitas polêmicas
desde sua criação. Enquanto uns acreditam que foi um grande
avanço para a Educação, outros pensam o contrário. Qual o seu
posicionamento diante dos Parâmetros Curriculares Nacionais?

Travaglia - Embora seja óbvio que tudo neste mundo tem aspectos positivos e
negativos não posso me furtar a dizer este lugar comum. Para mim os PCNs
referentes ao ensino de língua tiveram a grande vantagem justamente de pôr em
campo as conquistas da Linguística moderna, propondo um ensino que se
atenha a uma visão mais apropriada da língua como meio de comunicação e de
que o importante é desenvolver a competência comunicativa do aluno tanto
quando usa a modalidade oral como quando usa a modalidade escrita da língua.
O que os PCNs propõem acarreta um rompimento com certas tradições do
ensino/aprendizagem de língua e força o professor a uma busca de atualização.
É aquela coisa que falei do estudo constante, mesmo fora de cursos. Isto
evidentemente mexe com certas condições de trabalho, ataca determinadas
posições em que nos acomodamos (como, por exemplo, a de que precisamos
ensinar metalinguagem, teoria linguística/gramatical) e que sem dúvida são
confortáveis. Os PCNs obrigam-nos a estudar, a rever posições, a usar
criatividade para fazermos algo de forma diferente e para fins que não são
aqueles que sempre julgamos inarredáveis. É preciso convir que tudo isto gera
inquietação, polêmica, defesas e ataques. Mas tudo isto é muito saudável para
nós enquanto professores e enquanto seres humanos, cidadãos que queremos
instaurar melhores condições de existência para todos. Em meus artigos e livros
tenho sugerido algo que espero seja igualmente provocador de uma reflexão do
professor sobre sua função e sua prática. Acho que precisamos de estabilidade
para fazer as coisas, mas precisamos evoluir, tentar; mesmo que seja para ver 4
que a outra possibilidade não é boa ou não é tão boa quanto aquela em que
temos atuado. Vale manter o que é bom e é desejável, procurar alternativas,
possibilidades, outras coisas que são boas, ótimas, positivas, caminhos
alternativos que somam resultados. Vale a boa diversidade.

4)- ReVEL – Hoje em dia, fala-se muito em ensino de língua materna
por meio do trabalho com gêneros textuais – inclusive nos PCNs. O
que o senhor pensa sobre o trabalho com gêneros textuais nos
Ensinos Fundamental e Médio?

Travaglia - Creio que é importante por diferentes razões. A maior delas é que
temos de trabalhar a competência comunicativa dos alunos e, como a
comunicação se faz por textos, uma das coisas mais importantes no ensino de
língua é possibilitar às pessoas que saibam produzir e compreender textos de
maneira adequada a cada situação de interação comunicativa. Ora, cada tipo de
situação de interação comunicativa estabelece um modo de interação que acaba
configurando uma categoria de texto (vou usar esta denominação em vez de
gênero, pois este termo já está muito comprometido com conceituações diversas
e distintas) adequada àquele tipo de situação. Dessa forma uma pessoa só terá
um boa competência comunicativa se for capaz de produzir e compreender
textos de diferentes categorias. Cada categoria de texto possui características
próprias em termos de conteúdo, estrutura (inclusive a superestrutura) e
aspectos linguísticos específicos (marcas) em correlação com as propriedades
discursivas dessa categoria de texto. Estas configurações sem dúvida pertencem
à gramática de cada língua. Assim sendo é preciso e conveniente estudar /
trabalhar (não necessariamente numa perspectiva teórica) estas configurações
associadas a cada categoria de texto, pois o aluno precisa ter a habilidade de
construir categorias de textos diversas adequadas às diferentes situações de
interação comunicativa em que ele se encontra envolvido. Todavia, como disse
recentemente em um texto meu (“Tipologia Textual, Ensino de Gramática e o
Livro Didático” – apresentado, em outubro de 2003, no VII Fórum de Estudos
Linguísticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), há muitos elementos
da língua cujo uso não está vinculado a categorias de textos e, assim sendo, não 5
é possível fazer um estudo centrado apenas em gêneros textuais como alguns
têm proposto a partir de uma certa leitura dos PCNs. Já disse algumas coisas a
este respeito em trabalhos meus. Infelizmente nosso espaço aqui é pouco. Mas
espero que tenha ficado claro que penso que o trabalho com a língua por meio
de categorias de textos é muito importante, mas não é suficiente.

5)- ReVEL – Que livros o senhor poderia indicar para os acadêmicos de
Letras que pretendem trabalhar com a Língua Portuguesa em sala de
aula?

Travaglia - Você me propõe uma questão quase impossível de responder. Não
pela falta de bons livros que tratam da questão do ensino/aprendizagem de
Língua Portuguesa, sobretudo como língua materna ou primeira língua como
preferem alguns. É justo o contrário: temos hoje no Brasil, felizmente, uma
vasta produção sobre este assunto. Nossa Lingu
ística Aplicada tem publicado
muitos livros e artigos bastante pertinentes, inclusive trazendo sugestões
metodológicas bem concretas de trabalho em sala de aula. Estes trabalhos
tratam das áreas básicas do ensino/aprendizagem de língua materna: ensino de
produção de textos orais e escritos, ensino de compreensão de textos escritos e
orais (leitura), ensino de léxico e vocabulário, ensino de gramática. Creio que a
leitura de vários destes livros e artigos é importante para o professor que quer
fazer um bom trabalho. Permita-me declinar de indicar diretamente obras e/ou
autores, inclusive os meus trabalhos na área.


Fonte: Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 2, n. 2,
março de 2004. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
Imagem: Google

sábado, 4 de maio de 2013

Conclusão



Para favorecer a reflexão sobre o ensino de gramática, as autoras realizaram uma análise
linguística, tendo em vista as atividades no LD da 3ª série do EM, atentando para a
possibilidade de inserção dos estudos funcionalistas.
Através da breve abordagem foi possível consolidar a importância na
continuidade das pesquisas voltadas para a análise do LD. Observaram as falhas ainda
encontradas nas atividades de gramática, predominando a descontextualização e as
frases soltas, embora novas abordagens estejam surgindo como a utilização cada vez
maior da diversidade de gêneros que podemos encontrar. O aparecimento da língua
falada já pode ser verificado nas atividades do LD submetido à nossa análise, contudo,
os exercícios ainda conduzem o aluno a perpetuar a supremacia da variação padrão em
detrimento da língua em uso.



Referências bibliográficas
ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola,
2003.
CEREJA, W. R. MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens. 5ª ed. São Paulo: Atual,
2005.
FREGONEZI, D. E. Elementos de ensino de língua portuguesa. São Paulo: Arte &
Ciência, 1999.
FURTADO DA CUNHA, M. A.; TAVARES, M. A. (orgs). Funcionalismo e ensino de
gramática. Natal: ADUFRN, 2007.
______. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.) Manual de linguística. São
Paulo: Contexto, 2008.
GALAN, M. R. A. C. A construção cotidiana de uma proposta de ensino: as falas de
professores e alunos de LP do oeste do Paraná. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
UFSC, Florianópolis, 1991.
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1984.
MARTELLOTA, M. E Funcionalismo. In: WILSON, V; MARTELOTTA, M.E e
CEZARIO M.M. Linguistica: fundamentos. Rio de Janeiro: CCAA Editora, 2006.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Introdução Geral. Guia de livros didáticos de 1ª a 4ª
séries – PNLD/2004. Brasília: Ministério da Educação, 2003. pp. 9-29.
NEVES, M. H. M. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006. NICOLA & INFANTE: Gramática Contemporânea de Língua Portuguesa. 13ª ed.
São Paulo, Scipione, 1994.
PERINI, M. Princípios de linguística descritiva: introdução ao pensamento
gramatical. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática.
VIDAL, R. M. B. As construções com adverbiais em – mente: análise funcionalista e
implicações para o ensino de língua materna. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada)
– Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal, 2000.



Mizilene Kelly de Souza Bezerra (UERN)
Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN)

Continuação

Na questão 3, página 84, usou-se por base o título desse filme:

Em anúncios publicitários e em títulos de matérias jornalísticas, livros, e filmes, é
comum o emprego de orações adjetivas. 
Leia o anúncio ao lado e responda: Por que, no título do filme, foi empregada a frase
“O homem que fazia chover”, na qual há uma oração subordinada adjetiva restritiva, e
não “O homem fazia chover”?
Mesmo diante do fato repetitivo, ou seja, a oração subordinada adjetiva
restritiva, o novo só aparece no emprego da oração adjetiva. Uma importante
abordagem é dada a essa questão, ou seja, o fato de evidenciar os gêneros textuais,
mostrando, assim, a sua eficiência diante das aulas de língua portuguesa. Aproximar o
ensino da realidade do aluno é permitir que ele se envolva e sinta-se motivado a
compreender a sua língua, exemplificado pela utilização do título de um filme para
desenvolver a explicação do conteúdo proposto no quesito.

  Leia o cartum e o anúncio a seguir:








Tanto no texto em destaque no anúncio quanto na frase do cartum é empregada a
conjunção e. Entretanto, a relação estabelecida entre as orações pela conjunção e não
é a mesma nas três situações em que ela ocorre. 
a) Observe a relação entre o contexto do cartum e o enunciado “Sim,
interceptamos o objeto”. Com que objetivo provavelmente os pilotos se
aproximaram da pomba?
b) Ao identificarem o “objeto”, os pilotos resolvem escoltá-lo. Nesse contexto, que
relações semânticas a oração “e decidimos escoltá-lo pode estabelecer com a
oração anterior do enunciado?
c) No enunciado do anúncio há dois períodos compostos. Observe o sentido da
palavra desconto em cada um deles. De acordo com o contexto de cada um, que
tipo de relação semântica a conjunção e estabelece entre as orações?

Leia a tira abaixo:



a) Na frase do último quadrinho, a ideia de oposição contida na conjunção mas
tem relação com alguma oração anterior?
b) De acordo com o contexto, a conjunção mas estabelece oposição quanto a quê?
Faz-se presente nessa atividade a escolha por gêneros diferentes na elaboração
das questões. Na primeira, temos o cartum e o anúncio publicitário. Seguida pela
utilização de uma tirinha da Mafalda. Os dois primeiros gêneros são empregados para estudar a utilização da conjunção e. Pede-se para estabelecer a relação entre o cartum e
o anúncio com o propósito de mostrar que não é a mesma nas três situações, tanto na
frase do cartum como nas duas frases empregadas no anúncio. A letra (a) trabalha em
torno da relação entre o contexto e o enunciado da primeira oração no cartum. A relação
semântica na segunda oração do anúncio com a anterior é discutida na letra (b). A
alternativa (c) afirma que o anúncio tem dois períodos compostos, para então observar a
diferença de sentido da palavra desconto entre elas. Em seguida, pede-se para de acordo
com o contexto estabelecer a relação semântica com a utilização da conjunção e entre as
orações. 
Escolhemos essa atividade para demonstrar como a utilização de gêneros
diversos pode compactuar com o ensino de gramática mais satisfatório, como no caso
utilizado: conjunção e , conjunção mas. O anúncio publicitário, gênero amplamente
utilizado nas mídias sociais, torna-se um aliado, assim como, também, a tirinha se
aproxima das leituras do aluno, fazendo-os compreender com mais facilidade as
questões relacionadas à gramática. 
Em análise a questão de número 4, letra (b) do exercício na página 239 e
questão 3 da página 304:


Leia agora a tira abaixo. Identifique nela uma ocorrência característica da linguagem
falada e reescreva-a de acordo com a variedade padrão da língua.

                  
 A tira a seguir apresenta um desvio da variedade padrão quanto à regência verbal.




a) Qual é ele? Justifique por quê?
b) Observe, na tira, o desvio da variedade padrão, identificado na questão
anterior, o uso de diferentes pessoas do discurso (está – 3ª pessoa; te – 2ª
pessoa) e da forma reduzida pra. Troque ideias com os colegas: Considerando o
contexto da tira, esses usos da língua são inadequados? Justifique sua resposta.
Nessas atividades, ainda tendo como referentes a utilização de tirinhas, é
possível observar a utilização da língua em uso nas suas diversas manifestações.
Vejamos que na atividade da página 259, no segundo quadrinho, existe a
ocorrência do uso de uma expressão característica da língua falada – daí. Contudo, a proposta apresentada é justamente de reescrever essa expressão mudando-a para a
variedade padrão da língua. Na tira seguinte, contida na página 304 do LD, o diálogo se
apresenta entre dois amiguinhos que caminham com seus pais. Os balões, também
contêm desvios da norma padrão – pra(forma reduzida) e te(2ª pessoa) e está (3ª
pessoa).
A questão solicita ao aluno que ele troque ideias com os colegas levando em
consideração o uso adequado ou não do desvio, respaldados no contexto que se
apresenta na tira. Essa proposta além de propiciar a interação entre os alunos, fazendo os demonstrar seus posicionamentos frente o embate, é capaz também de demonstrar
como o uso do funcionalismo pode auxiliar no ensino de gramática. Mesmo conduzindo
para a reescritura do texto baseado na variedade padrão, foi possível perceber a
mudança na condução do processo de ensino-aprendizagem, apresentando-se através de
textos bases, em sua maioria, gêneros diversos e fazendo uso da língua em sua forma
falada.



Mizilene Kelly de Souza Bezerra (UERN)
Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN)

3. Apreciação dos dados


Frente a todas as questões já discutidas anteriormente, as autoras proporcionam nesta
sessão o diagnóstico final do trabalho. Primeiro, salientam a necessidade de
apresentar, mesmo que de maneira sucinta, a proposta abordada no sumário e
desenvolvida ao longo do LD selecionado - PORTUGUÊS Linguagens, dos autores
Cereja e Magalhães, da Atual Editora, São Paulo, PNLEM 2009, da terceira série do
Ensino Médio - EM.
O manual é dividido em quatro (04) unidades, sendo essas, subdivididas em
trinta e oito (38) capítulos. Vale ressaltar que, ao término de cada capítulo para início do
seguinte é realizado o Intervalo, momento que é apresentada uma atividade com
questões de vestibulares, que abordam exatamente o conteúdo explanado anteriormente.
Outro momento do Intervalo é a sugestão de projetos, trabalhos que podem ser
desenvolvidos extraclasse. Vale salientar que, os quatro (04) primeiros capítulos da
unidade I são destinados à literatura em exclusividade.
Os capítulos fazem uso da literatura, produção de texto e língua: uso e
reflexão. Ao término de cada capítulo denominado língua: uso e interação existe um
subitem nomeado semântica e interação.É exatamente nesse último que elas centram as
escolhas das atividades a serem analisadas.
Como o número de questões na maioria das atividades era extenso, resolveram,
para efeito de apreciação, centrar a reflexão sobre seis atividades que condizem com a
perspectiva da proposta do trabalho.
Dado início à análise, observando as atividades selecionadas:
Na página 54 do LD, questão 1, temos:
Na linguagem escrita, para dar expressividade, clareza e concisão ao texto, devemos,
sempre que possível, evitar a repetição da conjunção que. No caso do emprego das
orações subordinadas substantivas, dispomos dos recursos de substituir o verbo por um
substantivo ou transformar a oração desenvolvida em uma oração substantiva
reduzida. Veja o exemplo:
Basta que o diretor assine no verso do requerimento
Basta a assinatura do diretor no verso do requerimento
Basta o diretor assinar no verso do requerimento
Reescreva as frases a seguir, substituindo o verbo por um substantivo e transformando
as orações subordinadas substantivas desenvolvidas em orações reduzidas
correspondentes.
a) O advogado sugeriu que interpretássemos a lei.
b) A ordem é que se mantenha o atleta no clube.
c) É importante que adquiramos computadores de última geração.d) Não importa que a diretoria aprove ou não o nosso projeto.
e) É imprescindível esta medida: que se mude o horário.
Vejamos, tão logo, a questão 3 da página seguinte (55):
Observe a classificação das orações neste período:
Ouvi(or. principal) que eles gritavam palavras de ordem (or. subord. substantiva
objetiva direta)
Agora veja como fica a 2ª oração, transformada em reduzida:
Ouvi-os gritar palavras de ordem
Repare que, nesse caso, não se emprega na variedade padrão a forma “Ouvi eles gritar
palavras de ordem”. Reescreva os períodos a seguir, adequando à variedade padrão as
orações subordinadas substantivas reduzidas.
a) Vi ela sussurrando algo no ouvido da amiga.
b) Mandei eles sair da sala imediatamente.
c) Desejamos ver ele jogando futebol profissionalmente.
d) De madrugada, a mãe encontrou ele navegando na internet.
e) Deixe eu dormir até mais tarde, mãe.
A observação dessas duas questões nos mostra a necessidade de continuarmos
inserindo o LD em nossas pesquisas científicas. A concepção de que esses estudos já
foram apresentados em demasia sofre contradição ao nos depararmos ainda com
atividades sustentadas pela abordagem descontextualizada no ensino de gramática.
Vejamos que todas as abordagens tidas como negativas para o ensino de língua são
apresentadas na atividade acima.
Atentemos para a intencionalidade da questão 1. Nela, abordam-se as orações
subordinadas substantivas. No caso, pede-se para transformá-las em orações reduzidas,
e abaixo elenca cinco orações a sofrerem essa modificação.
A questão 3, por seu turno, apresenta uma oração subordinada substantiva
objetiva direta. Mais uma vez, a proposta é transformar as cinco orações em reduzidas,
baseado no exemplo dado. Chamemos a atenção para uma passagem do enunciado em
que fica clara a ascensão da língua padrão dada pelos autores do LD, uma vez que,
ressalta o emprego não compatível com a variedade padrão na oração: “Ouvi eles gritar
palavras de ordem”.
Fonte : http://www.gelne.org.br/Site/arquivostrab/1020-GELNEPDFKELLY.pdf
Mizilene Kelly de Souza Bezerra (UERN)
Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN)

2. Breves contribuições do funcionalismo para o ensino de gramática


Por que não tornar o ensino de língua portuguesa em sala de aula algo mais
prazeroso? Relacionando reflexão e uso diário da língua, ou seja, o seu funcionamento?
Para isso acontecer é necessário que o professor “transforme” o aluno em um usuário
competente da língua, com domínio funcional diante de um texto, e com conhecimento
sobre o funcionamento da linguagem.
Tendo essa noção como base, os estudos funcionalistas em seu viés teórico
podem constituir-se em um elemento importante para a prática do professor.
O funcionalismo superou os estudos formalistas, aqueles que veem a língua
como imutável e desligada do contexto comunicativo. Isso porque segundo Furtado da
Cunha (2008, p.157), o funcionalismo “[...] se preocupa em estudar a relação entre a
estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas
são usadas”. Para Neves [...] o funcionalismo é uma teoria que se liga, acima de tudo, aos fins a
que servem as unidades linguísticas, o que é o mesmo que dizer que o
funcionalismo se ocupa, certamente, das funções dos meios
linguísticos de expressão. (2006, p.17)

A linguagem no funcionalismo é observada em seu contexto sóciocomunicativo, em seu uso real. O foco passa a ser a relação da língua com o meio,
deixando de ser vista como autônoma e estável, noção defendida pela linguística formal,
que se limitava em descrever a língua desconsiderando o contexto comunicativo.
Esse novo rumo tomado pela linguística, e esse novo olhar lançado sobre a
linguagem faz cair por terra a concepção de que para aprender gramática é necessário
memorizar suas regras.
Levando em consideração o pensamento funcionalista, não devemos nos
limitar a frases e períodos isolados, mas empreender em nossos estudos gramaticais os
atos enunciativos do discurso, afinal “quando falamos, criamos frases, que, juntas
formam um texto coeso e coerente com a situação em que é empregado. O
processamento desse texto é o discurso”. Wilson; Martelotta e Cezario (2006, p.234).
Furtado da Cunha sobre isso escreve:
Nesse quadro, as análises linguísticas se baseiam no uso concreto da
língua pelos falantes, admitindo que a gramática se molda a partir do
uso linguístico que se dá em situações comunicativas. A gramática é,
pois, o resultado da cristalização ou regularização de estratégias
discursivas recorrentes, que decorrem de pressões cognitivas e,
sobretudo, de pressões de uso, as regularidades observadas no uso
interativo da língua são explicadas com base nas produções
discursivas em que se verifica esse uso. (2007, p.116)
Assim, podemos entender que existe uma relação comum entre discurso e uso
real da língua, visto que, nossas escolhas ao selecionarmos as palavras para falar não
acontecem de maneira aleatória, mas das condições de produção desse discurso.
Diante de tudo que foi discutido, podemos entender o funcionalismo linguístico
numa perspectiva que busca contemplar o uso da língua, partindo da premissa que ela
sempre está em constante elaboração, num processo nunca totalmente acabado.
Com as leituras em Vidal (2009) compreendemos um pouco mais sobre a
relação de semelhança existente entre as bases teóricas apresentadas nos PCN e as do
funcionalismo linguístico contemporâneo, ambos entendem que a língua só se efetiva
no uso. “A base teórica como enunciada pelos PCN absorve esse propósito
funcionalista, fato esse que evidência a viabilidade do aparato funcionalista oferecer
suporte para o ensino de Língua Portuguesa”. (p.158)
Assim como o funcionalismo, os PCN consideram a língua heterogênea,
variável. Além de considerar o uso fundamental no estudo, os Parâmetros Curriculares
Nacionais tomam o texto como prioridade para o ensino da língua. Para Vidal (op. cit.):
Nesses termos, no que tange ao funcionalismo linguístico
contemporâneo, o texto é o verdadeiro objeto linguístico com que se
defronta cada usuário nos eventos de interação. Esse ponto de
convergência entre a abordagem funcionalista e a proposta dos PCN
aponta e ratifica que a fundamentação dos PCN apresenta identidade
teórica com o funcionalismo linguístico e sugere que, na sala de aula,
o professor lance mão do texto, tanto na forma oral quanto escrita,como também faça circular, no ambiente educativo as diversas
manifestações dos gêneros textuais. (pp.159-160)
Com essas observações, podemos entender que a gramática nasce do uso e
possibilita a inclusão do individuo usuário da língua no universo letrado, no intuito de
desenvolver sua competência sócio-comunicativa. O professor não mais pode limitar-se
aos conhecimentos dados pela gramática tradicional, uma vez que, além das formas
consideradas regras, existem também, as que fazem parte do repertório usual dos
falantes da língua, cabendo ao professor descrever esses usos que fogem da tradição.

Fonte: http://www.gelne.org.br/Site/arquivostrab/1020-GELNEPDFKELLY.pdf
Mizilene Kelly de Souza Bezerra (UERN)
 Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN)


ANÁLISE LINGUÍSTICA NO ENSINO MÉDIO: INVESTIGAÇÃO DAS ATIVIDADES NO LIVRO DIDÁTICO SOB A ÓTICA FUNCIONALISTA


Além da necessidade de aprofundar os estudos sobre o ensino de língua
portuguesa e levando em consideração as lacunas ainda existentes nas inúmeras
pesquisas já desenvolvidas com essa temática, as autoras discutem nesse artigo a
importância do estudo da análise linguística para desenvolver a competência linguísticodiscursiva do aluno no processo “final” de formação. 
Sabe se que o ensino de gramática na sala de aula tem se tornado exaustivo,
na maioria das vezes, ocasionando o desinteresse dos alunos, afinal existe uma repetição
de atividades descontextualizadas e mecanizadas ao longo dos anos. 
E para as autoras o objetivo da pesquisa é fazer uma reflexão sobre o uso da análise
linguística no livro didático - LD1
, PORTUGUÊS Linguagens, dos autores Cereja e
Magalhães, da Atual Editora, São Paulo, PNLEM 2009, da terceira série do Ensino
Médio - EM2
, com o intuito de verificar se existem nas atividades desse LD as atuais
teorias de ensino de língua materna, que conduzem o aluno para a reflexão sobre o uso
linguístico, que ofertam subsídios para que os estudantes conheçam as diversidades de
gêneros textuais, bem como suas características, de maneira que, depois, eles possam se
utilizar dessa aprendizagem para suas produções escritas.
Do ponto de vista metodológico, ressalta se a realização de levantamento
bibliográfico sobre análise linguística, com o cotejo das teorias sobre o que ensino de
língua materna tem defendido acerca da prática da análise linguística, objetivando
conhecer os subsídios para a reflexão das atividades no LD em estudo. Frente à teoria
estudada, far-se-á o exame do LD - documento oficial de apoio pedagógico -
notadamente de atividades de gramática/análise linguística, buscando atribuir
significados aos achados da investigação, o que aponta para uma postura qualitativa ou
interpretativista.
Para desenvolver esse trabalho, elas o dividiram em três momentos. Primeiro, as
bases teóricas sobre o assunto, uma discussão que envolve o problema. Em seguida,
procedemos à análise dos dados para apreciação da realidade encontrada. E, por último,
teceram as considerações sobre os resultados encontrados com tal trabalho.




1. Análise linguística X livro didático
O ensino de gramática, como bem sabemos, durante muito tempo limitou-se à
memorização e exercícios de fixação das regras para terem seu conhecimento
comprovado numa “avaliação” no final da unidade. Contudo, nas últimas décadas, com
o surgimento da análise linguística - AL3
um movimento crítico com relação a essas práticas se formou. Apesar das recentes teorias reconhecerem o grau de importância da
AL, a prática de ensino, na maioria das escolas, ainda persiste na fragmentação, gerando
duas perspectivas que se mesclam de maneira conflituosa, as “velhas” e as “novas”
práticas. 
A análise linguística preconiza uma nova perspectiva de reflexão sobre o
sistema e os usos da língua. Pode se dizer que, entre os vários teóricos, Geraldi foi o
precursor da divulgação das atividades de AL, traçando paradigmas sustentados na
concepção interacionista da linguagem. É necessário fazer-lhes compreender que não
estamos falando da eliminação do uso da gramática na sala de aula, mas entendê-la num
paradigma diferente, pois os objetivos da AL são outros. Segundo Geraldi:


A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre as questões
tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do
texto, entre as quais vale a pena citar: coesão e coerência
internas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos;
análise dos recursos expressivos utilizados [...]; organização e
inclusão de informações, etc. (1984, p.74)


Por isso, a prática da análise linguística constitui-se num trabalho que reflete a
organização do texto, seja ele oral ou escrito. Na sequência, Geraldi centra sua proposta
em três práticas básicas, conforme explica Galan (1991, p.14):
1. Prática de leitura de textos
a) a leitura de narrativas longas: romance e novelas;
b) a leitura de textos curtos: contos, crônicas, reportagens, lendas, notícias de jornais,
editoriais etc.
2. Prática de produção de textos orais e escritos
3. Prática de análise linguística.
Estas devem ser realizadas por meio da integração de atividades e nas relações
dos sujeitos, ou seja, propõe práticas de uso da língua nas atividades de leitura,
produção de textos e de análise linguística.
As atividades de AL propiciam a competência discursiva tão desejada na
produção oral e escrita. Isso requer a criação, na sala de aula, de reflexões sobre o uso
da língua, permitindo ao aluno entender o processo de constituição da língua no âmbito
da interação. Com isso, a maneira como um texto foi escrito, seu efeito provocado tendo
em vista a situação de uso, sua maneira de organizar as ideias de acordo com o gênero
selecionado só será possível caso professor e aluno saibam refletir sobre a língua dentro
de um contexto de uso. Pensar assim nos faz desacreditar na concepção de que “existe
uma maneira ‘certa’ de usar a língua, e que essa é a única maneira aceitável; todas as
outras são ‘erradas’ devem ser evitadas”. (PERINI, 2006, p. 21)
Conforme essa discussão, podemos entender que não é o ensino de gramática,
de maneira isolada, que garantirá a compreensão da língua. Ensinar gramática deve
pressupor o ensino de AL. É o mesmo que ensinar gramática pautando a língua em sua
organização e uso nos diferentes contextos de produção.

Antunes (2003) ressalta a impossibilidade de existir uma língua sem gramática,
entretanto, explica a diferença entre suas regras e o ensino de nomenclaturas. De acordo
com a autora, as regras orientam o uso, são normas:
Dessa forma, são regras, por exemplo, a descrição de como
empregar os pronomes; de como usar as flexões verbais para
indicar diferenças de tempo e de modo; de como estabelecer relações semânticas entre partes do texto (relações de causa, de
tempo, de comparação, de oposição e etc); de quando e como
usar o artigo indefinido e o definido; de quando e de como
garantir a complementação do verbo ou de outras palavras; de
como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra
adequada, no lugar certo, na posição certa (ANTUNES, 2003, p.
86).

Todo esse processo de ensino não é concebido em frases isoladas, mas sim
fazendo as leituras e analisando os textos em sua diversidade de gênero que circula na
sociedade, assim como, através da análise dos próprios textos produzidos. Se essa ação
realmente se concretiza numa sala de aula, os alunos, com certeza, se sentirão mais
seguros ao escrever, isso porque terão mais embasamento em suas produções. 
Sobre isso, Travaglia discorre:
 [...] o falante da língua será capaz de se colocar muito melhor
na relação com os outros, com a sociedade e com a cultura em
que vive, tanto no que diz respeito à possibilidade de estabelecer
os significados, os efeitos de sentido que deseja, como no que
diz respeito à apreensão dos significados, dos efeitos de sentido
que os outros estão lhe propondo em interações diversas. Um
falante com tal capacidade tem uma qualidade de vida maior,
pois consegue se colocar como sujeito nas relações sociais,
consegue utilizar a língua para a consecução de seus objetivos.
(2003, p.18)

É, pois, através do uso dessa linguagem que uma sociedade estabelece
comunicação e retrata o conhecimento de si mesma e do mundo que a cerca.
É fundamental inserirmos nessa discussão a importância do livro didático, já
que esse se configura hoje como um dos suportes mais utilizados e em muitos casos, o
único. Sabemos que os LD tradicionais se apresentavam com o predomínio de
atividades gramaticais descontextualizadas (análise de frases soltas), sem a preocupação
com a produção de sentidos. Os professores, por sua vez, seguiam e/ou seguem esses
conteúdos ditados pelos manuais. Nessa perspectiva o ensino: 
[...] desestimula a curiosidade intelectual dos jovens alunos: de
um lado, uma língua para concursos, estática “a mais difícil e
mais complexa de todas”, “a mais chata”; “a mais complicada”
aquela que se aprende para ser esquecida algumas horas após a
prova; do outro, uma língua dinâmica, criativa, produtiva,
maleável no preenchimento das necessidades comunicativas de
seus usuários. (FURTADO DA CUNHA, 2007, p.14) 

Talvez o grande problema dos nossos LD resida no fato dele ter se cristalizado
no tempo, não mais correspondendo às nossas necessidades, isso provoca no ensino do
português um bloqueio no desenvolvimento linguístico do aluno, quando, na verdade,
deveria estimulá-lo. Os manuais têm tentado diversificar e ampliar a seleção de textos,
contudo, seus usos são apenas para perpetuar o ensino da gramática pautada nas
nomenclaturas e regras.
Como é possível perceber o LD “[...] deve ser elaborado de maneira a fugir às
formas cristalizadas [...] priorizando sempre o aluno, de forma que o mesmo seja capaz
de discutir, sentir, refletir e transformar a sua linguagem”. (INFANTE & NICOLA,
1994).
É indiscutível, hoje, a necessidade de avaliação sistemática dos LD a serem
selecionados pelo corpo docente das escolas na rede pública, em especial, os
direcionados ao ensino no nível médio, pois sua adoção ocorreu a menos de uma
década, nos revelando uma prática recente. Alguns professores, desmotivados pelos
anos de luta, e pelo não reconhecimento da profissão, chegam a ignorar a importância
desse momento na escola. O que não pode acontecer, afinal, o LD adotado deverá fazer
parte de sua abordagem didática durante alguns anos. A escolha deve acontecer
conscientemente, e mesmo assim, segundo o Ministério da Educação, não se deve
esquecer que:
[...] o livro didático é apenas um dos instrumentos de apoio ao
trabalho. Assim, o melhor dos livros pode ter exercícios e
atividades substituídos, alterados ou complementados [...]. Além
disso, escolher um bom livro didático não diminui a necessidade
de consultar uma bibliografia; ou seja, [...] [o professor] sempre
precisará lançar mão de textos complementares, seja para
estudar conteúdos, seja para suprir lacunas, completar e ampliar
informações. (2003, p.17)
É necessário entendermos que a utilização do LD na sala de aula não supri toda
a necessidade que o processo ensino-aprendizagem requer. Alguns conteúdos nos
manuais, sobressaem-se com relação a outros, e isso é aceitável, na medida em que cabe
ao professor, juntamente com os alunos, qual o assunto deve ser aprofundado. Por isso,
Savioli (1997) apud Vidal (2009, p.156) defende: “qualquer livro didático, de certa
forma, está sempre incompleto, exigindo a interferência do aluno e do professor para
completá-lo”. O LD não deve ter o caráter de determinar o que o professor deve ou não
fazer. 





1-Livro didático doravante LD.
2-Ensino médio doravante EM.
3-Análise linguística doravante AL.

Fonte:http://www.gelne.org.br/Site/arquivostrab/1020-GELNEPDFKELLY.pdf
 Mizilene Kelly de Souza Bezerra (UERN)
           Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN)