terça-feira, 7 de maio de 2013

Entrevista com Luiz Carlos Travaglia

Em Março de 2004, a Revista Virtual de Estudos da Linguagem fez uma entrevista com Luiz Carlos Travaglia sobre a Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna:

Confiram a entrevista.


1)- ReVEL – Para o senhor, quais são as principais contribuições que a
Lingüística moderna trouxe para o professor de língua materna?

Travaglia - São tantas que fica impossível enumerar. Todavia podemos dizer
de maneira genérica que a grande contribuição da Linguística moderna para o
professor foi trazer um conhecimento mais estruturado, científico e profundo
sobre como a língua é constituída e sobre como ela funciona enquanto
instrumento de comunicação com uma dimensão social e histórica que é mesmo
constitutiva da língua. O professor que domina esse conhecimento tem
melhores condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e
como estruturar as atividades que os ajudem a atingir um maior domínio da
língua e a ter uma maior e melhor competência comunicativa. É preciso,
entretanto, ter a humildade de reconhecer que o muito que sabemos hoje em
relação ao que se sabia no início do século XX é ainda pouco.

2)- ReVEL – Ainda hoje, infelizmente, a Linguística não tem muito
espaço nos cursos de graduação em Letras no Brasil. O senhor acha
que deveria haver mais disciplinas de Lingüística Teórica e/ou
Aplicada nos currículos dos cursos de graduação em Letras? Como
uma formação em Linguística pode auxiliar o futuro professor de
Português?

Travaglia - Evidentemente quanto mais se estuda as formulações de uma
ciência, mais condições de trabalhar de modo competente com o seu objeto (no
nosso caso a língua) e por isto é desejável estudarmos o mais que pudermos. Já
disse como basicamente o conhecimento linguístico (uma formação em
Linguística) pode auxiliar o futuro professor tanto de língua materna (no nosso
caso o Português), quanto de língua estrangeira.
A questão dos currículos é complexa. Há limitações de tempo dos cursos e
limitações legais entre outras e é preciso fazer o possível para obter o máximo
nas condições disponíveis. Você diz do pouco espaço da Linguística nos cursos
de Graduação em Letras no Brasil. Em primeiro lugar é preciso lembrar que a
situação é diferente em cada curso em termos do número de disciplinas
específicas de Linguística e/ou Linguística Aplicada. Mas devemos lembrar que
nas aulas de Língua Portuguesa e estrangeira dos cursos de graduação em
Letras o professor pode trabalhar com uma visão linguística dos fatos relativos à
língua, seu funcionamento, seu ensino/aprendizagem. Isto aumentaria em
muito o contato dos alunos com os conhecimentos desenvolvidos pela ciência
linguística tradicional e moderna (pós-Saussure?). Em segundo lugar não se
pode esquecer que nosso estudo e formação são constantes: você pode fazer
cursos de aperfeiçoamento, de especialização, de mestrado, doutorado e pós doutorado  Mesmo que faça tudo isto, descobrirá que ainda sabe pouco do que a
Linguística já disponibiliza hoje. Sendo assim é preciso crer no estudo
individual, pois é possível lermos constantemente sobre Linguística. Pense bem
no seguinte: mesmo que fosse possível colocar 50 (cinqüenta) disciplinas de
Linguística em um curso de graduação, isto seria suficiente ou não? A resposta é
obviamente não. O curso de graduação precisa estabelecer uma base de
conhecimentos que permita ao estudante continuar seus estudos em outros 3
níveis e mesmo sozinho. Acho que é esta a função do curso de graduação: a
formação básica, sólida e, claro, o mais ampla possível, que nos permita ir em
frente. Ninguém pode esperar que qualquer curso lhe dê tudo. Não falei das
diferenças individuais de empenho e capacidade na captação do que está sendo
tratado nos cursos, pois esta é outra questão bastante complexa.

3)- ReVEL – Em torno dos PCNs, foram provocadas muitas polêmicas
desde sua criação. Enquanto uns acreditam que foi um grande
avanço para a Educação, outros pensam o contrário. Qual o seu
posicionamento diante dos Parâmetros Curriculares Nacionais?

Travaglia - Embora seja óbvio que tudo neste mundo tem aspectos positivos e
negativos não posso me furtar a dizer este lugar comum. Para mim os PCNs
referentes ao ensino de língua tiveram a grande vantagem justamente de pôr em
campo as conquistas da Linguística moderna, propondo um ensino que se
atenha a uma visão mais apropriada da língua como meio de comunicação e de
que o importante é desenvolver a competência comunicativa do aluno tanto
quando usa a modalidade oral como quando usa a modalidade escrita da língua.
O que os PCNs propõem acarreta um rompimento com certas tradições do
ensino/aprendizagem de língua e força o professor a uma busca de atualização.
É aquela coisa que falei do estudo constante, mesmo fora de cursos. Isto
evidentemente mexe com certas condições de trabalho, ataca determinadas
posições em que nos acomodamos (como, por exemplo, a de que precisamos
ensinar metalinguagem, teoria linguística/gramatical) e que sem dúvida são
confortáveis. Os PCNs obrigam-nos a estudar, a rever posições, a usar
criatividade para fazermos algo de forma diferente e para fins que não são
aqueles que sempre julgamos inarredáveis. É preciso convir que tudo isto gera
inquietação, polêmica, defesas e ataques. Mas tudo isto é muito saudável para
nós enquanto professores e enquanto seres humanos, cidadãos que queremos
instaurar melhores condições de existência para todos. Em meus artigos e livros
tenho sugerido algo que espero seja igualmente provocador de uma reflexão do
professor sobre sua função e sua prática. Acho que precisamos de estabilidade
para fazer as coisas, mas precisamos evoluir, tentar; mesmo que seja para ver 4
que a outra possibilidade não é boa ou não é tão boa quanto aquela em que
temos atuado. Vale manter o que é bom e é desejável, procurar alternativas,
possibilidades, outras coisas que são boas, ótimas, positivas, caminhos
alternativos que somam resultados. Vale a boa diversidade.

4)- ReVEL – Hoje em dia, fala-se muito em ensino de língua materna
por meio do trabalho com gêneros textuais – inclusive nos PCNs. O
que o senhor pensa sobre o trabalho com gêneros textuais nos
Ensinos Fundamental e Médio?

Travaglia - Creio que é importante por diferentes razões. A maior delas é que
temos de trabalhar a competência comunicativa dos alunos e, como a
comunicação se faz por textos, uma das coisas mais importantes no ensino de
língua é possibilitar às pessoas que saibam produzir e compreender textos de
maneira adequada a cada situação de interação comunicativa. Ora, cada tipo de
situação de interação comunicativa estabelece um modo de interação que acaba
configurando uma categoria de texto (vou usar esta denominação em vez de
gênero, pois este termo já está muito comprometido com conceituações diversas
e distintas) adequada àquele tipo de situação. Dessa forma uma pessoa só terá
um boa competência comunicativa se for capaz de produzir e compreender
textos de diferentes categorias. Cada categoria de texto possui características
próprias em termos de conteúdo, estrutura (inclusive a superestrutura) e
aspectos linguísticos específicos (marcas) em correlação com as propriedades
discursivas dessa categoria de texto. Estas configurações sem dúvida pertencem
à gramática de cada língua. Assim sendo é preciso e conveniente estudar /
trabalhar (não necessariamente numa perspectiva teórica) estas configurações
associadas a cada categoria de texto, pois o aluno precisa ter a habilidade de
construir categorias de textos diversas adequadas às diferentes situações de
interação comunicativa em que ele se encontra envolvido. Todavia, como disse
recentemente em um texto meu (“Tipologia Textual, Ensino de Gramática e o
Livro Didático” – apresentado, em outubro de 2003, no VII Fórum de Estudos
Linguísticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), há muitos elementos
da língua cujo uso não está vinculado a categorias de textos e, assim sendo, não 5
é possível fazer um estudo centrado apenas em gêneros textuais como alguns
têm proposto a partir de uma certa leitura dos PCNs. Já disse algumas coisas a
este respeito em trabalhos meus. Infelizmente nosso espaço aqui é pouco. Mas
espero que tenha ficado claro que penso que o trabalho com a língua por meio
de categorias de textos é muito importante, mas não é suficiente.

5)- ReVEL – Que livros o senhor poderia indicar para os acadêmicos de
Letras que pretendem trabalhar com a Língua Portuguesa em sala de
aula?

Travaglia - Você me propõe uma questão quase impossível de responder. Não
pela falta de bons livros que tratam da questão do ensino/aprendizagem de
Língua Portuguesa, sobretudo como língua materna ou primeira língua como
preferem alguns. É justo o contrário: temos hoje no Brasil, felizmente, uma
vasta produção sobre este assunto. Nossa Lingu
ística Aplicada tem publicado
muitos livros e artigos bastante pertinentes, inclusive trazendo sugestões
metodológicas bem concretas de trabalho em sala de aula. Estes trabalhos
tratam das áreas básicas do ensino/aprendizagem de língua materna: ensino de
produção de textos orais e escritos, ensino de compreensão de textos escritos e
orais (leitura), ensino de léxico e vocabulário, ensino de gramática. Creio que a
leitura de vários destes livros e artigos é importante para o professor que quer
fazer um bom trabalho. Permita-me declinar de indicar diretamente obras e/ou
autores, inclusive os meus trabalhos na área.


Fonte: Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 2, n. 2,
março de 2004. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
Imagem: Google

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