sexta-feira, 17 de maio de 2013

A LINGUÍSTICA E O ENSINO DO PORTUGUÊS: INSTRUMENTOS PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA


Há décadas, a linguística consta dos currículos dos cursos de
Letras em universidades brasileiras e, à medida que se desenvolve,
tem tornado possível a realização de muitas pesquisas voltadas para
o ensino de língua materna, na educação básica. Porém, os resultados
desse crescimento ainda são pouco notados na formação dos estudantes, haja vista as contínuas críticas, vindas de vários segmentos
da sociedade, as quais refletem um sentimento geral de que os alunos
não sabem ler, não sabem escrever e nem falar (!). Quem trabalha na
área de formação de professores consegue vivenciar de perto essa
angústia e, certamente, a experimenta de forma intensificada por
perceber que a universidade promove poucas mudanças na atuação
do professor de português, que continua reproduzindo aquele velho
ensino que não forma.
Mesmo considerando que o insistente fracasso da educação
brasileira não é função de eventos isolados, mas de uma confluência
de razões, especialmente razões de ordem social, ainda assim, o aprendizado insatisfatório daquilo que se configura como objeto do
ensino do português (leitura, produção de texto e análise linguística),
figurará como um problema que se impõe reiteradamente aos estudiosos do assunto.
O presente trabalho discute um projeto que visa a construção
de ferramentas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino do
português. O projeto foi delineado a partir de hipóteses que se formaram ao começarmos a perceber que há certa resistência à linguística,
por parte dos professores da educação básica, embora estes não se
furtem a reproduzir algumas partes do discurso dessa ciência que
lhes parecem “politicamente corretas”.


A primeira dessas hipóteses é a de que os professores que têm
ainda a linguística como uma “ilustre desconhecida”, rejeitam-na, de
forma categórica, em função de uma muito difundida crença de que
ela prega que tudo que se fala e se escreve está correto, independentemente de contextos de uso. Sendo assim, qualquer tentativa de levar o conhecimento dessa ciência a tais professores vai necessariamente ter de passar por uma profunda desconstrução ideológica.

A segunda hipótese considera que os professores que tiveram

oportunidade de estudar linguística, principalmente as correntes ditas
funcionalistas, que deram origem a um grande número de trabalhos
destinados ao ensino de língua, embora tenham uma ideia diferente
sobre a linguística, daquela que têm os professores mencionados anteriormente, não conseguem acionar o conhecimento adquirido por
que é difícil estabelecer uma ponte entre o que aprenderam e o que a
escola quer que ensinem.


Entendemos que um salto neste sentido só acontecerá a partir
do momento em que a oralidade fizer parte do programa da disciplina língua portuguesa, na educação básica, não porque esta deva ter
primazia, mas porque, isto representaria uma mudança na compreensão do que seja língua e, por conseguinte, abriria as portas para um
ensino que considere a gramática internalizada, como apontam Perini
(2002) e Possenti (1997). Além disso, ampliaria o entendimento do
que seja a menor unidade da língua, o texto, e que toda análise linguística deve ser contextualizada (KOCH, 1991; NEVES, 2003;
ANTUNES, 2002).
A terceira hipótese é a de que, a partir do conhecimento gerado pelo estudo de construções discursivas desses professores, será
possível quebrar resistências que impedem mudanças no ensino e fazer proposições em função de um trabalho com língua materna, fortemente norteado pela linguística, trabalho este que levará a um aprendizado mais significativo, na formação inicial.


Tendo em vista o problema aqui levantado, discutiremos procedimentos que, acreditamos, podem vir a indicar respostas a este.
Tais procedimentos envolvem a busca pelo conhecimento daquilo
que os professores sabem e pensam sobre a linguística e, posteriormente, a realização de um trabalho junto a eles, tendo como suporte
as diversas correntes da linguística, de forma a instrumentalizá-los
pedagogicamente, para um trabalho mais adequado com o objeto de
ensino do português.
Com a realização do trabalho que ora apresentamos, pretendemos alcançar dois grandes objetivos: i) contribuir com os estudos
voltados para a melhoria do ensino do português na educação básica;
ii) propor um caminho para se estabelecer uma efetiva parceria de
trabalho entre a universidade e escola básica, visando o aperfeiçoamento do aprendizado do português.
E, relativamente às atividades a serem desenvolvidas, temos
como objetivos específicos: i) interpretar as construções discursivas
de professores da educação básica, sobre as contribuições da linguística para o ensino do português, à luz da análise do discurso; ii) construir métodos de abordagens do objeto do português, juntamente com
professores da educação básica, tendo como suporte os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o ensino de língua materna, a Sociolinguística, linguística textual, análise do discurso, e as abordagens
cognitivista e sociocognitivista dos processos de leitura e produção
de texto.
Uma vez que o objetivo da pesquisa é, a princípio, conhecer o
discurso do professor, cabe apresentar neste esboço alguns dos conceitos e categorias da análise do discurso que nortearão a realização
do trabalho.


A análise do discurso surge, conforme explana Mussalim
(2001), na década de 1960, na França, fundamentada nas concepções
políticas do linguista Jean Dubois e do filósofo Michel Pêcheux. A
evolução dessa disciplina se faz na convergência de estudos de ordem política, encontrando respaldo científico na linguística estruturalista da época, a exemplo da abordagem do filósofo Althusser, em
 (1970):
A linguística, então, aparece como um horizonte para o projeto althusseriano da seguinte maneira: como a ideologia deve ser estudada em
sua materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado
em que a ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser
como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da
ideologia. (MUSSALIM, 2001, p. 104).
Na altura, as pesquisas eram feitas na perspectiva da linguística dita formal, em que a língua é analisada fora de seu contexto de
uso, considerando-se apenas aspectos internos, exclusivamente estruturais. Atribui-se, então, à estrutura da língua toda responsabilidade
pelo seu funcionamento. A língua é autônoma e funciona unicamente
em consonância com seus dispositivos estruturais. Essa concepção
de língua, amplamente aceita, até a segunda metade do século XX,
possibilitou ao Estruturalismo manter uma hegemonia nos estudos da
linguagem.
Saussure é o pioneiro nessa busca pela unificação da linguística. É, pois, nesse intuito que esse linguista estabelece que a língua é
um sistema autônomo, composto por elementos denominados signos.
A partir da proposta saussuriana, a abordagem que se faz é da língua
na sua imanência, o que propiciou a constituição de métodos pró-
prios de investigação, e a elevação da linguística ao de ciência.
A língua, então, passa a ser vista apenas como estrutura, tendo como
níveis de análise a fonética, fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Conforme Lucchesi (1998),
Para Saussure o universo da linguagem, por seu caráter heterogêneo
e plural seria incognoscível. Em contrapartida, a língua, dada a sua
natureza unitária e homogênea, constituiria, para o linguista, o seu objeto
de estudo por excelência. (LUCCHESI, 1998, p. 44),
Tais formas de se explicar o fenômeno são pouco elucidativas
no que se refere ao seu emprego enquanto prática social. Novamente
considerando as palavras de Lucchesi: "Para dissociar a língua do
seu existir concreto, é preciso separá-la também de sua história,
ignorando o processo ininterrupto de transformações que é inerente à
sua constituição". (LUCCHESI, 1998, p. 45).
Assim, Michel Pêcheux, imprime outros rumos à nova ciência
que surge:


É neste contexto que nasce o projeto da AD. Michel Pêcheux, apoiado numa formação filosófica, desenvolve um questionamento crítico sobre a linguística e, diferentemente de Dubois, não pensa a instituição da
AD como um progresso natural permitido pela linguística, ou seja, não
concebe que o estudo do discurso seja uma passagem natural da Lexicologia (estudo das palavras) para a análise do discurso. A instituição da
AD, para Pêcheux, exige uma ruptura epistemológica, que coloca o estudo do discurso num outro terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. (MUSSALIM, 2001, p. 105).
No Brasil, a análise do discurso é consolidada por Eni Orlandi, cuja obra é tomada como suporte para o embasamento da pesquisa que ora apresentamos.
A contribuição que almejamos oferecer ao meio acadêmico é
de ordem teórica, uma vez que buscaremos abordar o discurso do
professor no que se refere à linguística. Constituímos esse objeto por
entendermos que, quanto mais aprendermos sobre as “vozes” que
conduzem a prática docente, mais aptos estaremos a ajudar, se é este
o nosso desejo.
É bastante corrente a prática de “observar” o professor e depois partir para a crítica ferrenha ao seu trabalho. Até quando falamos com eles, parece que fazemos com o intuito de confirmar aquilo
o que já sabemos e assim ampliamos nosso poder de fogo contra a
sua prática “ultrapassada”. E surgem as teorias e os métodos de trabalho com a ilusão de salvar o ensino.
E por que isto não tem acontecido, compreendemos que os
caminhos devem ser reconfigurados. Ao invés de observar este professor e apenas falar sem jamais escutá-lo, talvez seja pertinente ouvir, de verdade, o que eles também têm a dizer sobre nós, os “pensadores” de sua prática e de suas atribuições, na tentativa de, ao interpretá-los, possamos nos reinterpretar.
Nas palavras de Orlandi, os dizeres funcionam como pistas
para a construção do conhecimento.
Os dizeres não são como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições
determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se
diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São
pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de
produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito ali, mas também em outros lugares, assim como com o que não é dito, e com o que poderia
ser dito e não foi. (ORLANDI, 2005, p. 30)

Os “dizeres” do professor provavelmente devem começar a
funcionar como ponto de partida para quaisquer outros discursos lhes
avaliem.
É na tentativa de explicitar o que está por trás da aparente resistência dos professores ao pensamento da linguística, no que concerne ao ensino de língua, que utilizaremos os métodos e as categorias propostas pela análise do discurso, registrando, para controle da
pesquisa, as construções discursivas por eles produzidas.
Os procedimentos analíticos da análise do discurso serão ferramenta de estudo para o trabalho, por se constituírem os recursos
mais apropriados para se trazer à tona os implícitos do discurso sobre
o qual repousa a manutenção de práticas pedagógicas que temos considerado ineficientes. Se o discurso “é efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2005), há que se identificar tais efeitos, compreender como eles são apreendidos e a partir daí (re)construir.
Sendo discurso o meio através do qual o homem se relaciona
com o seu meio natural e social, e por intermédio deste os eventos da
realidade sofrem deslocamentos ou ficam inalterados, então, o conhecimento profundo do discurso dos professores é condição necessária para conhecer seu pensamento e manter com este um diálogo
que nos permita compreender e atuar na sua realidade, de modo a
explicitar a ideologia que subjaz a defesa do ensino tradicional, trabalhando na perspectiva de sugerir visões outras sobre o instituído.
Neste sentido, nos ocuparemos de identificar os contextos imediato e amplo, explicitando de que modo o contexto sóciohistórico vem determinando as condições de produção discursiva.
Assumir essa posição significa percorrer os caminhos do interdiscurso que
...consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em
outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência
necessária. (ORLANDI, 2005, p. 34).
Na observância do “como” se dão as construções discursivas,
a concepção de sujeito do discurso tem relevância fundamental.
Este é um sujeito que deverá ser compreendido a partir da confluência de
leituras que o considerem como o sujeito do inconsciente e da ideologia.
Todo enunciado [...] é linguisticamente descritível como uma série
de pontos de deriva possível oferecendo lugar à interpretação. Ele é sempre suscetível de ser/tornar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o
lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na
produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos. (ORLANDI, p. 59).


Estes e outros dispositivos de análise serão acionados para
tentarmos encontrar as respostas para o problema que ora inscrevemos. E, conforme dissemos anteriormente, interpretar o discurso do
professor sobre a linguística é uma das etapas da pesquisa e esta é o
cerne do projeto. Entretanto, é nosso objetivo também poder estabelecer com esse professor um trabalho de parceria, através do qual
buscaremos auxiliá-lo no desenvolvimento de suas atividades com
língua materna, ao tempo em que aprenderemos com ele a construir
novos rumos para a formação de professores. Insere-se, então, a outra fase que denominamos etapa prática, a qual se guiará pelas propostas de ensino do português oferecidas por vertentes funcionalistas
da linguística.
O objeto do ensino de português na formação inicial é contemplado pelas atividades de leitura, escrita e análise linguística,
como bem se sabe. A escola não deixa de cobrir essas atividades,
mas as têm desenvolvido de forma assistemática e, por vezes, absolutamente contraproducente. Mas, não desejamos aqui manter o procedimento que critica ferozmente a forma como a escola conduz o
desenvolvimento dessas habilidades pelo estudante. Queremos, sobretudo, apresentar um breve panorama do referencial teórico que
embasa a fase prática da pesquisa.
A proposta é trabalhar com professores de língua portuguesa,
da educação básica, de escolas públicas, na cidade de Santo Antônio
de Jesus-BA. Pretendemos constituir um contendo o discurso
de professores sobre o objeto do ensino do português e sobre o seu
interesse pelas contribuições da linguística para o trabalho pedagógico. Nesse intuito, realizaremos, durante um semestre, encontros semanais para estudo e discussão dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de língua materna, além do estudo de obras na linha da Sociolinguística, linguística textual, análise do discurso, cognitivista e sociocognitivista sobre os processos de leitura, produção
de texto e análise linguística.
Além de abordagens teóricas, em que buscaremos demonstrar
a relevância desses postulados para o ensino, os encontros servirão
para realizar o planejamento das aulas, bem como para organização
de material didático. Ou seja, a função do trabalho com os professores é promover a ação/reflexão/ação, visando construir, junto com
eles, uma concepção de língua e de ensino de língua que leve a procedimentos pedagógicos mais significativos. Tais ações refletem a
hipótese levantada anteriormente de que os construtos teóricos por si
e nem mesmo as propostas de ordem mais prática que sejam terão
uma resposta, se não houver um trabalho de perto com os professores.
Esta etapa prática do trabalho será fundamentada pelos estudos da “linguística aplicada” (em sentido mais amplo do que costumamos encontrar, a despeito do ensino de línguas estrangeiras), baseados na Sociolinguística, como as obras de Sírio Possenti (1997);
Bagno (2001, 2002); Mattos e Silva (1997); Neves (2003), os quais
chamam atenção para a importância do estudo da diversidade do português do Brasil, demonstrando como funcionam as variantes de uma
regra variável e como o professor pode descrever os diversos registros, a fim de que o aluno compreenda a situacionalidade desse uso.
O ensino de língua a partir de textos orais é outro ponto fundamental a ser trabalhado na etapa prática. Para isto, servirão de suporte teórico, os trabalhos de Antunes (2002); Geraldi (1997, 2001);
Koch e Travaglia (1991); Marcuschi (2004); Kaufman e Rodríguez
(1995). Esses estudos abordam tanto o funcionamento dos textos,
bem como apresentam sugestões para trabalho com os mesmos, sua
leitura e produção.
A leitura e a produção de textos são competências amplamente estudadas na atualidade. O suporte teórico de tais competências
serão abordados na etapa prática da pesquisa através das obras de
Kaufman e Rodríguez (1995); Solé (1998); Geraldi (1997) Kleiman
(1998); Alves (2001); Geraldi (1997); Brito (1997), em que, além de poder compreender os processos cognitivos envolvidos no aprendizado da leitura e da produção textual, será possível aprender como
trabalhar a formação do gosto.

Fonte: Trabalhos Acadêmicos Uneb.








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